" Esse direito é da natureza, é incontestável. A origem de todos esses erros grosseiros reside na extravagância dos sistemas deíficos. Os imbecis que acreditavam em Deus, persuadidos de que era só a ele que devíamos a existência e que portanto quando o embrião entrava em maturação logo uma pequena alma emanada de Deus o vinha animar, - foram esses parvos, repito, quem deve ter chamado crime capital à destruição dessa pequena criatura, porque, segundo eles, não seria pertença dos homens. Seria obra de Deus, pertenceria a Deus: quem poderia dispor dela sem cometer crime? Mas logo que o facho da filosofia dissipou todas essas imposturas, desde que a quimera divina foi calcada aos pés, desde que, mais bem instruídos nas leis e segredos da física, desenvolvemos o príncipio da geração, vendo que esse mecanismo material nada mais apresenta aos nossos olhos que seja mais admirável do que o desenvolvimento do grão de trigo, nessa altura recorremos para a natureza contra o erro dos homens.
Ampliando a medida dos nossos direitos, acabámos por reconhecer que tínhamos completa liberdade para nos apossarmos de algo que, contra a nossa vontade ou por acaso, tínhamos dispensado, sendo impossível exigir de qualquer indivíduo tornar-se pai ou mãe sem querer; reconhecemos que uma criatura a mais ou a menos no mundo não era coisa com tantas consequências e que, em resumo, éramos sem dúvida senhores desse bocado de carne, embora animado, da mesma forma que o somos das unhas que cortamos e que temos nas pontas dos dedos, das excrescências de carne que de nosso corpo extripamos, ou das digestões que expelimos das tripas, dado que tanto uma coisa como as outras dependem de nós, pertencem-nos, e nós somos os possuidores absolutos de tudo aquilo que de nós emana. (...)"
in "A Filosofia na Alcova", Marquês de Sade
2 comments:
ai, ai, ai, essa mania das heresias...
Desculpa lá, mas desta vez fui muito herege mesmo...
Ou achas que me excedi?
Ahahahahahahaha
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