"Diz-se que o homem é um animal sociável. (...) Mas observei, (...), pessoas que não só são sociáveis, como são elas próprias a Sociedade Universal.
(...)
São sempre solícitos, pois têm sempre um negócio importante a tratar com todos aqueles que vêem, onde vão e de onde vêm.
Nunca se lhes tiraria da cabeça que é de boa educação visitar todos os dias o público circunstanciadamente, não contando as visitas que fazem por atacado nos locais onde as pessoas se reunem. Mas como a via é muito reduzida, elas não contam nas regras do seu cerimonial.
Cansam mais as portas das casas com pancadas de aldraba, que os ventos e as tempestades. Se se fosse a examinar a lista de todos os porteiros, todos os dias ali se encontraria o seu nome estropiado de mil maneiras em caracteres suiços. Passam a vida no acompanhamento de um enterro, em cumprimentos de condolências ou em felicitações de casamento. (...). Enfim, voltam a suas casas bem fatigados, vão repousar para poderem retomar no dia seguinte as suas funções.
Um deles morreu no outro dia de cansaço e puseram-lhe no túmulo este epitáfio: " Aqui repousa o que nunca repousou. Foi a quinhentos e trinta enterros. Regozijou-se com o nascimento de duas mil e seiscentas e oitenta crianças. As pensões pelas quais felicitou os amigos, sempre em termos diferentes, ascendem a dois milhões e seiscentas mil libras; o caminho percorrido na calçada a nove mil e seiscentos estádios; aquele que fez no campo a trinta e seis. A sua conversa era divertida; dispunha de um repertório completo de trezentas e sessenta e cinco histórias; possuia, aliás, desde a sua juventude, mil oitocentos apótegmas tirados dos Antigos que sempre empregava nas ocasiões brilhantes. Morreu enfim no sexagésimo ano da sua idade. Calo-me, Viajante. Porque como poderia eu acabar de te dizer o que ele fez e o que ele viu?"
in "Cartas Persas", Montesquieu (1721)
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