Saturday, January 20, 2007

Sumário Lírico

Nesta janela de ver passar os barcos em vidraças, começo devagar a reescrever o mundo quedo que é o único que conheço e vivo, sei e de cor vejo. Ninguém me deu outras formas que não minhas mas deram-me todos juntos o cerne das palavras. Reescrevo-me a mim própria sem outra alternativa. E recordo-me dos outros de fora da vidraça, mudos mas autores cada um no seu frasear, generosos quando me reconheciam em muitos anos de vida. Devedora sou, mesmo dos idos, de exangues vozes caladas para sempre nos livros em que as lera. Em tantas vidraças que espelharam caras, olhos de cada olhar de imagens próprias de cada um. Estava no longínquo fundo o mar redito, o sol, os barcos na Barra, que também em vidros estavam. Passa tu, golfinho, piloto cego, depois cadáver, que talvez me conduzisse entre os barcos da Barra, quando o dorso de prata e o gume passavam nas horas visuais das manhãs de Junho e Julho minhas, de par em par o olhar aberto ao ar do sol do sal. Imagens que sempre ficais nestas vidraças, emprestai vosso vidro e revérbero à luz do farol extinto, em outras vidas que antes narravam que eu era já nascida, quando vos vi, farol, e vos guardei, imagens. A cor de prata dos vultos é hoje negra, manchas com a noite embebida, tantas vezes co-substancial. É assim que a vidraça anoitece diante dos olhos, diariamente somando anos, minutos indivisos. Mas, cisco no vidro, pela lei da perspectiva, ponto. Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007) Janeiro levou-a. Continuaremos a fazer ouvir as suas palavras.

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