(…)
Agora vou dormir. Pediram-me para fechar a janela. Não sei as horas reais. O meu relógio marca 6h00. A chegada a Banguecoque está prevista dentro de uma hora e 50 minutos. Lá fora estão menos 47º C. Estou a sobrevoar Calcutá à velocidade de 600 milhas por hora e a uma altitude de 37.000 pés...nova previsão de chegada às...não...lá serão 11h55 da manhã. Estou todo baralhado. Perdi por completo a noção de tempo. Volto a abrir a janela. Cá dentro toda a gente dorme, mas lá fora está um dia radioso. A minha brecha estende-se e amplia-se pelo interior do avião...
Sobrevoo a baía de Benguela. A paisagem é magestosamente surreal....a àgua que entra na terra e lhe faz desenhos que, vistos de onde vejo – de cima –, se assemelham a artérias, a vasos sanguíneos, à crua rudeza da Natureza em todo o seu esplendor.
Pouso a caneta e vou deixar-me levar por esta luz que me cega...
“ Sir, i´m so sorry to bother but you have to close the window.”
Rendo-me às evidências e entrego-me à manta.
Acordo com frio e com a sensação aflitiva de perda de altitude e os habituais estoiros nos ouvidos. No pulso tenho 8h15. Aqui são 13h40 de outro dia. Pés no chão passados 10 minutos.
Aeroporto. Caos. No meu passaporte colei um post-it com Amari Watergate Hotel e no controlo alfandegário a senhora não percebeu o porquê e magicou que eu precisava de ajuda, utilizando aquela abordagem como uma forma subtil de querer um táxi. Caos.
Espero porquê? Que se passa? Isso é só o Hotel para onde vou. Não preciso da sua ajuda. Dá para dizeres alguma coisa que eu perceba? Quero ir-me embora! Ela telefona e nem sequer usa o seu Inglês imperceptível. Logo a seguir levo com “ You have to wait!” num tom que ultrapassa o autoritário. Espero. Desespero. Que raio! O que me havia de acontecer. Armei-me em prevenido com o post-it e que bela recepção estou a ter. Como achei que me poderia esquecer dum nome como Amari Watergate Hotel? Só eu...
Estou perdido em mim até reparar que na minha direcção, a passo largo, caminham, dois polícias armados com metralhadoras. Mesmo sabendo que de ilegal só tinha a maneira como deixei a minha vida em Portugal, o medo apodera-se de mim. (E se eles são como a tipa da Alfândega e não me percebem e estou em Banquecoque e estão armados e vou parar a uma prisão daquelas dos filmes e o embaixador está de férias em Portugal e...e...e.... )
Estúpido ocidental:
Carregado de manias, preconceitos e atitudes moldadas por uma europa velha e cheia de si mesma.
Espanto! Esta gente é extremamente solícita roçando o serviçal. Todo este aparato é mesmo por causa do papelito amarelo. Estandarte de ajuda. E os dois marmanjos armados até ao dentes queriam mesmo levar-me aos táxis!!!
Eu. Um aeroporto apinhado de gente. Dois polícias ao meu lado. Perfeito.
Where´s my luggage? Levaram-me lá e apesar dos meus infrutíferos apelos para se irem embora, não o fizeram e ainda se obrigaram a carregar-me as malas!
Num diálogo impossível de reproduzir consegui mentir-lhes que tinha alguém à espera e finalmente me abandoram. Não queria que aquele momento se prolongasse por muito mais tempo e muito menos queria sair dali ladeado por dois polícias que me deram cabo dos nervos.
Liberto-me deles e encontro outro problema. Mais uma vez o dinheiro. Além do propósito idealista desta viagem, a imaturidade dos meus 23 anos dizia-me que cash seria dispensável e a minha inexperiência convenceu-me que os traveller cheques eram tudo o que precisava.
“ Can you exchange portuguese escudos?”
Solícito como todos os outros...Yes, Sir!
Olha para a nota vezes sem conta, surpreso, espantado até. Analisa-a meticulosamente e diz: NO!
Mais uma vez estou sem dinheiro que valha e sem saber o que fazer.
Telefonar? Para onde?
Quando me dirigo para a cabine telefónica encontro um récem-amigo lisboeta que vinha esperar uma prima. Boa! Sou um crava a milhares de quilómetros de casa!
Dificuldade de contacto, sem saber o que dizer...tenho os bahts na mão em troca de um compromisso para jantar.
É impressionante a proximidade que se sente quando encontramos alguém conhecido fora de portas. Mesmo que nunca mais nos voltemos a falar.
Saí sem saber para onde ir. Mal abro as portas do aeroporto sinto um bafo sufocante que me dificulta a respiração. Estão 34º C, está a chover torrencialmente e a humidade a um nível indescritível.
Apanho o táxi a transpirar e aflito por quase sufocar. Distraio-me com o mundo que me espera lá fora e que vai passando pelo carro. Com o desenrolar da viagem vou entristecendo. É tudo tão feio! Os arranha-céus, espelhados e multicolores, das multinacionais norte-americanas e japonesas. Os espelhados que refectem uma realidade tão plástica como a dos países de origem. Os prédios tailandeses que nunca foram pintados e as janelas todas gradeadas. A convivência forçada destes estilos arquitectónicos. Arfo. Quero descansar. O desespero aumenta à medida que o centro da cidade se aproxima. Sinto-me a entrar numa lixeira gigante. O cheiro é nausebundo. Nojento mesmo. Estou nas ruas de Banquecoque. O trânsito é um caos. Tudo é motorizado. As pessoas andam de máscara. As naúseas aumentam. Sinto-me febril. Esta viagem está a ser agonizante.
De repente estou à porta do hotel. Finalmente. O que me espera anima-me. O ar condicionado faz-me esquecer por momentos o cheiro que ainda tenho nas narinas.
As pirosas estrelas do Amari Watergate Hotel justificam-se. Luxo asiático em expoente máximo. Mesmo sabendo que é precisamente de tudo isto que fugo, neste momento é tudo o que preciso.
O quarto é o 1231.
Sinto-me doente. Com febre. Cansado, suado e embriagado de emoções que neste momento não me deixam pensar como deve ser.
Não é isto que quero. Vou tomar banho.
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