Quando Juvenal Garcês e Simão Rubim decidiram, numa visita a Londres em 1996, transportar para a cena lisboeta o espectáculo concebido por Adam Long, Daniel Singer e Jess Borgeson ― As Obras Completas de William Shakespeare em 97 Minutos ― estavam longe de imaginar que uma década mais tarde ainda a Companhia Teatral do Chiado (CTC) continuaria a esgotar plateias com este êxito fenomenal.Quais as razões do sucesso?
A primeira é óbvia: Shakespeare já não respeita fronteiras há séculos e parodiar o Hamlet ou o Romeu e Julieta é brincar com mitos que entraram fundo no imaginário dos europeus modernos. Directa ou indirectamente, melhor ou pior, toda a gente conhece Shakespeare. A prova? O êxito das Obras Completas da CTC, em Lisboa e por todo o país, em múltiplas digressões efectuadas.
A segunda razão do sucesso está no que esta paródia realmente é. Condensar toda a monumental obra do dramaturgo numa série de sketches com hora e meia de duração é um achado brilhante. Uma ideia só possível para quem tem perfeita noção da ligação de Shakespeare à sensibilidade e ao gosto cómico popular. Trazer uma anónima espectadora ao palco para fazer de «Ofélia» é lembrar que o teatro nunca deixou de ser uma festa para todos e uma arte dirigida a cada um de nós, sem diferença de classe, de credo, de origem ou de cultura literária. O humor radical das Obras Completas é uma profunda recuperação da natureza subversiva e, no limite, anarquista, da festa teatral. Shakespeare seria o último a escandalizar-se com o seu Othello convertido em rap ou o seu Titus Andronicus reciclado em programa de culinária.
Mas a terceira é a mais importante explicação para o inesperado êxito das Obras Completas de William Shakespeare em 97 Minutos. A CTC assume que este é um espectáculo onde, fora Shakespeare e o público, só há um centro: os actores. Os três actores ― Simão Rubim, Manuel Mendes e João Carracedo, exactamente o elenco original desta saga ― que se desdobram em dezenas de personagens, a velocidade vertiginosa, submetendo-se aos exigentes ritmos da comédia e da farsa, engolem tudo à sua volta: cenário (mínimo), adereços (deliberadamente pobres), figurinos (menos que simbólicos) e encenação, sobretudo a encenação! Transformar três actores praticamente desconhecidos há 10 anos atrás em três actores rapidamente populares (com fãs e tudo!) foi uma ruptura. Uma ruptura com o império do encenador que ainda hoje infecta o nosso teatro.
Nisso, As Obras Completas de William Shakespeare em 97 Minutos já são imagem de marca do teatro da CTC. Um teatro onde o trabalho dos actores está em primeiro plano, onde o público é cúmplice dos actores, onde o êxito popular é compatível com altos padrões de qualidade artística. Para quem tem olhos na cara, esta década de Obras Completas foi mais do que uma gargalhada contínua, foi e ainda é uma profunda lição de teatro.
Gustavo Rubim, co-director artístico da CTC
1 comment:
Até já em St.ª M.ª da Feira estiveram. Mas não fiquei com a mesma opinião que tu... talvez por culpa do espaço e do (péssimo) som.
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