Friday, September 01, 2006

LISBOA QUE AMANHECE

Cansados vão os corpos para casa dos ritmos imitados de outra dança a noite finge ser ainda uma criança de olhos na lua com a sua cegueira da razão e do desejo A noite é cega e as sombras de Lisboa são da cidade branca a escura face Lisboa é mãe solteira amou como se fosse a mais indefesa princesa que as trevas algum dia coroaram Não sei se dura sempre esse teu beijo ou apenas o que resta desta noite o vento enfim parou já mal o vejo por sobre o Tejo e já tudo pode ser tudo aquilo que parece na Lisboa que amanhece O Tejo que reflecte o dia à solta à noite é prisioneiro dos olhares ao cais dos miradouros vão chegando dos bares os navegantes amantes das teias que o amor e o fumo tecem E o Necas que julgou que era cantora que as dádivas da noite são eternas mal chega a madrugada tem que rapar as pernas para que o dia não traia Dietrichs que não foram nem Marlenes Não sei se dura sempre esse teu beijo ou apenas o que resta desta noite o vento enfim parou já mal o vejo por sobre o Tejo e já tudo pode ser tudo aquilo que parece na Lisboa que amanhece Em sonhos, é sabido, não se morre aliás essa é a única vantagem de, após o vão trabalho o povo ir de viagem ao sono fundo fecundo em glórias e terrores e venturas E ai de quem acorda estremunhado espreitando pela fresta a ver se é dia a esse as ansiedades ditam sentenças friamente ao ouvido ruído que a noite, a seu costume, transfigura Não sei se dura sempre esse teu beijo ou apenas o que resta desta noite o vento enfim parou já mal o vejo por sobre o Tejo e já tudo pode ser tudo aquilo que parece na Lisboa que amanhece Sérgio Godinho Imagem: Hugo Carvalho

1 comment:

Paulo said...

Excelente!!! A poesia é um instante de alma e pincaro de desassossego que fica quando dentro dos poemas há pessoas com o coração de papel......
Abraço
Paulo