Friday, September 15, 2006

Explicação Necessária

Há certos versos - às vezes poemas inteiros - que eu próprio não sei o que querem dizer. O que ignoro retém-me ainda. E tu, tu tens razão em interrogar. Não interrogues. Já te disse que não sei. Duas luzes paralelas vindo do mesmo centro. O ruído da água que cai, no inverno, da goteira a transbordar ou o ruído de uma gota de água caindo de uma rosa no jardim, regado há pouco, devagar, devagarinho, uma tarde de primavera, como o soluço de um pássaro. Não sei que quer dizer este ruído; contudo aceito-o. As coisas que sei explico-tas. sem negligência. Mas as outras também acrescentam a nossa vida. Eu olhava o seu joelho dobrado, como ela dormia, levantando o lençol - não era apenas amor. Este ângulo era o cume da ternura, e o cheiro do lençol, a lavado e a primavera, completavam este inexplicável, que eu procurei, em vão ainda, explicar-te. Poema de Yannis Ritsos (Trad.Eugénio de Andrade) Salvador Dali (1923, Late Night Dreams)

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