Monday, August 07, 2006

Debaixo do vulcão

As ruínas deixaram ouvir alguns acordes do concerto de que havíamos abdicado. Na esplanada ele falava do mar. Da sensação de organizar uma experiência irrepetível para os outros que se repetiu para ele 60 vezes. Descrevia o percurso desenhando no ar um cogumelo. "sabes aquele filme em que o tipo acorda todos os dias no mesmo dia?". Disse-o não numa comparação da sua vida a um filme, mas para explicar que as vidas que são filmes também podem ser monótonas. em que os dias são de uma semelhança quase inverosímil.
Relatou a dureza da repetição dos dias. Dos filipinos silenciosos e dos indianos que recebem metade do salário dos outros empregados, apesar de terem exactamente as mesmas funções. Os dias sem folgas, a sensação de claustrofobia que se vive quando o máximo que se avista é o sem fim de um azul que de tão absorvente, esgota tudo o que há em nós. dos ruídos típicos e dos silêncios - não dos humanos, mas das noites e dos dias, das coisas inomináveis que habitam a imensidão dos oceanos.
Ironicamente, as leituras de bordo incluiram o romance cuja personagem é uma baleia assassina. As vidas humanas passaram-lhe pelos dedos em forma de notas e moedas. Os dias de porto eram o seu alívio. Ainda que fossem poucos os minutos em terra, a falsa sensação de estabilidade dava-lhe um conforto que não conseguia encontrar no barco. Ao chegar a Veneza, levou na mochila um pouco do líquido de Baco para o acompanhar na redescoberta de uma terra híbrida em que, finalmente, o seu espírito descobriu o que queria fazer.
Foto de Roy Harrington

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