Friday, November 25, 2005

Tu disseste

Tu disseste "quero saborear o infinito"
Eu disse "a frescura das maçãs matinais revela-nos segredos insondáveis"
Tu disseste "sentir a aragem que balança os dependurados"
Eu disse "é o medo o que nos vem acariciar"
Tu disseste "eu também já tive medo.
muito medo.
recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da porta"
Eu disse "acabamos a gostar do medo,
do arrepio que nos suspende a fala"
Tu disseste "um dia fiquei sem nada.
um mundo inteiro por descobrir"
Eu disse "..."
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"
Tu disseste "agora procuro o desígnio da vida.
às vezes penso encontrá-lo num bater de asas,
num murmúrio trazido pelo vento,
no piscar de um néon.
escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo.
depois queimo tudo e prossigo a minha busca"
Eu disse "eu não faço nada.
fico horas a olhar para uma mancha na parede"
Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar,
as suas formas num palpitar quase imperceptível?"
Eu disse "não.
a mancha continua no mesmo sítio,
eu continuo a olhar para ela e não se passa nada"
Tu disseste "e no entanto a mancha alastra e toma conta de ti.
liberta-te do corpo.
tu é que não vês"
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"
Eu disse "o que é que isso interessa?
"Tu disseste "...nada" Mão Morta

5 comments:

A. said...

De que é que têm medo?

samari said...

O que é que isso interessa? Nada...

A. said...

É uma perspectiva.

Dirim said...

Agradeço-te, Samari :) Tenho um "irmão de água" que me lembra esta música. Que me lembra Mão Morta.. a banda de culto. Por isso, se me permites a apropriação...dedico-o a ele, que não vejo há uns anos; e embora saiba que ele não vai saber...deixo aqui... para ti, querido Múmia :) :)

samari said...

nada. está dedicada a ele :-)