Wednesday, November 02, 2005

Gosto, porque sim!

Em tempos, um professor surpreendeu-me (e aos meus colegas) com a seguinte proposta: teríamos que escrever sobre algo - um quadro, uma música, um filme, qualquer coisa - que amassemos ou odiassemos profundamente. Em uma página. E que não estivessemos preocupados com técnicas, correntes ou afins. Apenas a descrição do gosto em estado puro. A tarefa foi explicitada com tanto trato nas palavras, com tantas explicitações, repetições e exemplificações que, quando finalmente processei mentalmente o pedido, senti-me aliviada. Afinal, não seria tão difícil, nem sequer tomaria tanto tempo quanto isso. O alívio não foi só meu; posso tê-lo imaginado, mas pareceu-me escutá-lo colectivamente, perceptível em todos os movimentos de lábios daquela sala de aula. Só mais tarde percebi a dificuldade implícita numa tarefa daquelas. Discorrer coerentemente sobre aquilo que se ama é tanto mais difícil quanto discorrer sobre aquilo que se odeia, talvez porque estes se escondam maliciosamente da racionalidade. E a determinada altura dei por mim a pensar que teria sido melhor escrever sobre algo que gostasse moderadamente, com um quase movimento de bocejo. Quando estou perante um quadro, uma fotografia, uma música, um livro, quando usufruo livremente de um objecto destes, não quero que me perguntem o que acho da técnica do traço, do ângulo da objectiva, dos acordes utilizados. até porque na maior parte das vezes, apetece-me apenas ficar em silêncio... Se me interrompem com perguntas incómodas, apetece-me apenas dizer "Gosto, porque sim!" Por isso me irritam tanto as intelectualizações que pululam por aí e tentam instaurar a ditadura do gosto. Hoje apetece-me Wagner, amanhã ouço no meu rádio durante toda a manhã o Fashion Nugget. E depois? Um deveria excluir o outro? Quem ouve este não empresta o ouvido a este outro? Quem gosta de Caravaggio não suporta Pollock? Quem lê Baudelaire queima os dedos se pegar no Sexo e a Cidade? Quem me explica a lógica disto?

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