Saturday, November 12, 2005

Coisas que me deixam pi ursa (ou seja pior que uma ursa) II

Se há coisa que me tira do sério é quando me aparece alguma criatura, com aquele seu ar de quem a vida já tratou muito mal e diz: "oh... não te lamentes... há quem esteja pior"!..................agora preciso mesmo de uma pausa antes de começar a destruir o teclado (à falta de um daqueles sacos de boxe). Porque é que será que parece irresistível encontrar conforto na desgraça alheia? Se detesto o meu trabalho de administrativa, dizem-me que podia ser pior, que podia ter sido transformada numa máquina de debitar palavras num call center. Se fosse operadora de call center podia ser pior, porque podia ter sido transformada num scanner numa qualquer caixa de supermercado, se fosse operadora de caixa seria melhor do que ser uma sem abrigo e sem trabalho, ou se fosse toxicodependente... ou se fosse vítima de violência doméstica ou se vivesse em qualquer país africano ou asiático e se não pertencesse à classe privilegiada.........se... e se fossem tod@s viver a vida de uma dessas pessoas para poderem, de facto, sentir se era ou não pior????

Porque é que será que nunca consegui sentir-me melhor com estas comparações? E será que é assim tão difícil assumir que a nossa dor - porque nos dói a nós e não a qualquer indíviduo desconhecido, é infinitamente mais pesada do que de uma qualquer personagem que desconhecemos? Porque é a nós que nos dói... e por isso, dói mesmo. Não é uma imagem longínqua, não é uma sensação esbatida de uma qualquer solidariedade ocidental que, confortavelmente instalad@ no seu sofá, vê a desgraça de um continente através do quadradinho da televisão.

Não é preciso ser-se bom observador para encontrar uma mão cheia de exemplos de pessoas que, supostamente, se encontram em pior situação. O mais difícil é deixar de sentir a nossa dor para sentir a d@ outro@, a de um desconhecido por quem a nossa empatia passa simplesmente por uma moeda deixada cair numa taça que tem uma história de angústias e de falta de oportunidades.

Por isso, a essas pessoas que acham sempre que a melhor forma de contornar a dor é pensar em quem está pior, eu sugiro que se dêem como voluntários numa ONG e que vão para África ou para o Médio Oriente ou que fiquem cá a distribuir a comida entre os sem-abrigo ou a acompanhar as crianças das Aldeias SOS. Assim, se me voltarem a dizer que podia ser pior, eu vou acreditar que el@s sabem do que estão a falar.. até lá... por favor, não me voltem a dizer que "podia ser pior" - porque essa parte já eu sei, e não ajuda a minorar a dor...

6 comments:

Woman Once a Bird said...

Ok. Está registado! E quando pensamos em quem está infinitamente melhor?
Isso sim seria uma lufada de ar fresco...

Dirim said...

Permite-me que discorde. Como é fácil encontrar alguém que está pior - ou cujas condições são piores, também não é difícil encontrar quem esteja (ou cujas condições sejam) melhor(es). Penso que o melhor é mesmo pensar em cada pessoa como ela é. Porque o que é melhor para uns pode não ser para @s outr@s. E como tal... também cada dor é única. Ainda que seja a dor da fome, ou do desemprego ou de um emprego que não se goste, ou da solidão ou seja lá do que for.

Sextosentido said...

Permite-me discordar.

Não creio que o objectivo de tais expressões seja encontrar conforto na desgraça alheia... Mas apenas levar-nos a reflectir se a nossa dor tem de facto razão para existir.

Acredito que essas expressões sejam apenas um apelo à reflexão. Custa-nos mais reflectir do que queixar-nos...

Dirim said...

Qualquer dor tem razão de existir. É daquela pessoa em concreto, e não importa se é por um motivo fútil ou por uma mazela física ou seja lá o que for. Se eu perder um parente que amo, poderão dizer-me: "imagina as pessoas que ficam órfãs em tenra idade", mas será que isso diminuiu mesmo a minha dor? Resolve alguma coisa? Quantas vezes não pensei no que será que sente uma pessoa nessa situação.. mas isso nunca me preparou para a dor da perda e, acima de tudo, não a diminiu. Pode fazer com que eu crie maior empatia com alguém nessa situação. Mas acho que não precisas de viver certas coisas para saberes ou pelo menos, calculares que são más. Não preciso de ser mutilada por uma mina para saber que a guerra é algo negativo. Mas não tenho a presunção de saber o que é ter estado numa guerra. Não sei. O que sei é que as pessoas são todas diferentes. E não está em causa o tamanho ou a origem da dor. Nunca entendi essas frases como um apelo à reflexão, tal como outras do género, que costumava ouvir na escola primária: "se vivesses na Etiópia, ías ver como comias tudo". Como se o facto de eu comer tudo fosse tirar a fome a alguém...
Nem nunca me apercebi que quem usasse esse tipo de argumentação fizesse algum tipo de reflexão mais profunda acerca da dor alheia. Ou sequer, que fizesse alguma coisa para mudar ou diminuir o estado das coisas. Que pode ser pior, todos sabemos. Que poderia ser melhor, também.

Anonymous said...

Acho que procuras respostas ou conforto em pessoas que não tas podem dar: por isso é que te dão uma resposta "cliché" (porque querem ajudar-te mas não sabem como) que obviamente não te satisfaz ou ajuda. A partir daí, na minha opinião, os psicólogos é que estarão preparados (pelo menos alguns) para te ajudar a lidar com a dor, com a capacidade de analisar apenas o TEU caso e as TUAS circunstâncias, sem julgar se há ou não razão para haver dor!
Pessoalmente, posso dizer-te que essa questão sobre o sofrimento dos outros apenas me fazia sentir culpada por estar a sofrer por coisas aparentemente banais; para além da ajuda psicológica (que me fui muito útil), posso dizer que o que também me ajudou foi viver, entretanto, outras experiências (pessoais) de vida e a relativizar: "isto não é nada, porque já passei por bem pior", mas isso acho que só a vida nos ensina...e isto é apenas a minha experiência...

Dirim said...

cats fairy (antes de mais, obrigada por partilhares). Por acaso, quando escrevi isto não pensei propriamente em mim, mas num outro caso. Já ouvi algumas vezes a célebre frase do "podia ser bem pior" - como se alguém me estivesse a dar a chave do problema... mas acredito que as respostas estão em nós. Por vezes, sim, passa pela capacidade de olhar para os outros. Outras passa por ter coragem de olhar para nós mesm@s. Mas quanto há tua última frase, o que te posso dizer é que.. à medida que o tempo passa me vou sentindo mais cansada. E o "pior" do passado - porque já foi resolvido, parece ter a leveza de uma pena (desculpa a pobreza da comparação) face à pequenez da angústia que se possa estar a sentir no momento...