Sunday, July 12, 2009

Três vozes em dez corpos

Convidei a Tamodachi (que parece estar desaparecida, mas apenas anda exausta do brilho dos computadores) para ir ver a Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo. A sala era acolhedora, os lugares privilegiados, tal como a possibilidade de assistir a um espectáculo que condensa em si três vozes. Quando vi os primeiros minutos da Fragmented Bodies, de Gagik Ismailian, ocorreu-me que invejamos @s artistas não pela sua fama, mas pela sua liberdade. Num passado ainda recente, parte das profissões ligadas à arte eram mal vistas pel@s portugues@s: actores e actrizes eram vistos como boémios, com condutas demasiadamente liberais, pouco enquadrados na norma que ditava trabalhos das 09 às 18 e que se pernoitasse em casa, com tectos a tapar o céu estrelado, que a noite essa fez-se para dormir e não para sonhar. In-ve-ja. No fundo, era a inveja da possibilidade que el@s têm de sonhar (e tornar os sonhos realidade) no seu próprio trabalho, no seu quotidiano, de conhecer pessoas e autor@s novos, de trabalhar enquadrad@s numa norma que não entendem e na qual não podem penetrar. Fragmented Bodies é uma peça inspirada em Foucault (Vigiar e Punir) em que @s bailarin@s (cinco) vestem uniformes laranjas a lembrar prisioneiros e segundo o coreógrafo: "segue uma viagem que começa no corpo inocente até chegar ao ser aprisionado e à sua fúria de se sentir preso numa cela".
Porque Fragmented Bodies é uma peça forte, quase dolorosa, Amor aos Retalhos, de Cláudia Nova (ex prima bailarina do extinto Ballet Gulbenkian), foi uma surpresa particularmente agradável. "Será o meu amor por ti um distúrbio? Um distúrbio?", repete a voz que verbaliza os movimentos da bailarina. Há quem fale em excesso de dramatismo no bailado contemporâneo e que em oposição a esse drama não se conseguem exprimir sentimentos. Mas o trabalho de Nóvoa consegue transmitir as emoções de quem escreve, aguarda, recebe, lê, rasga e reconstrói cartas de amor.
"Eu estou cansado de te amar, eu estou cansado de sentir, eu estou cansado de dizer, e porque te amo não posso parar" Na última peça "cherché, trouvé, perdu", de Patrick Delcroix encontramos a interpretação dos ciclos da busca, dos encontros e desencontros. Os conceitos são simples e autênticos: Chercher: procurar. Esforçar-se para descobrir, para encontrar alguém, alguma coisa. Trouver: Encontrar. Aperceber-se de algo, alcançar aquilo que se procurava ou que se desejava ter. Perdre: Perder. Deixar de ter em sua posse ou à sua disposição alguma coisa ou alguém. Há obras que gostaríamos de repetir. Em que desejamos que o tempo pare naqueles instantes ou horas em que nos sentimos privilegiad@s por partilhar tanta beleza ou alegria. Esta pude repeti-la. Outras tantas há que perdi, algumas encaro-as como adiamentos. Estou a adiá-las, repito baixinho.

No comments: