Thursday, February 14, 2008

Até onde vai a amizade?

Amir, o talentoso nascido em berço de ouro e na etnia certa. Com talento para a escrita falta-lhe, porém, a coragem. Hassan, o do coração puro é o criado de Amir. Fruto de uma ligação ilegítima, a pertença à etnia errada é somente uma das suas desvantagens sociais. Perserverante e leal até ao fim. Para ele, o amigo é tudo e por isso, dá sem esperar nada em troca. Cabul (Afeganistão): 1972 - 78. Ainda o Afeganistão era um país livre: dos Soviéticos, dos Talibã, dos Estado-unidenses, dos aliados. Preso aos preconceitos étnicos e com uma sociedade extremamente desigual. Na capital, na mesma casa, vivem Amir e Hassan. Irmãos de sangue, de leite - irmãos fraternos. Com uma amizade desigual. Hassan dá tudo. Amir tem tudo e podia dar mais. Podia ter ensinado o amigo a ler, por exemplo, podia ter tentado impedir o ataque violento de que Hassan é alvo. Podia ter tentado superar o facto de não ter conseguido impedir ou de nem sequer ter tentado. Podia... podia... podia... podia.... No instante em que Amir testemunha a iminência da violência que irá cair sobre Hassan e opta por não agir, por ignorar e tentar esquecer, tudo muda para ele. Não para Hassan, o qual permanece leal. Mas a lealdade de Hassan não alivia a culpa de Amir. Hassan personifica aquele momento traumático - que não lhe sai do olhar e que está inscrito no seu corpo. E Amir inicia a viagem do esquecimento. Então, pela segunda vez, atraiçoa o amigo: Arma-lhe uma cilada. E Hassan, leal, confessa o que não fez. Passarão anos até se redimir da vergonha, até se libertar da culpa de não ter feito mais que abandonar e trair o seu amigo. E é então, que a história lhe proporciona uma nova oportunidade: "a way to be good again". Parece-me, contudo, que a redenção de Amir é, mais uma vez, em favor dele próprio. O seu sacrifício tem suporte nos laços de parentesco (que só agora lhe são revelados) e na culpa que o atormenta. Ali, ele vê a oportunidade, não só de salvar o filho de Hassan, mas de se salvar a ele próprio.

3 comments:

A. said...

["there is a way to be good again", ou a história de um amor incondicional.]

E será só na amizade que encontramos um amor incondicional?
A propósito, encontrei o São Valentim ali na esquina e matei-o. ;)

Woman Once a Bird said...

É melhor fazer autópsia, só para nos certificarmos da coisa. O raio do bicho parece o Rasputine.

Dirim said...

"E será só na amizade que encontramos um amor incondicional?"
Espero que incondicional (amor fraterno/ passional/whatever) se encontre só no cinema e na literatura. O amor (seja de que tipo for) não deve servir como justificação para abdicar de nós próprios (com tudo o que isso implica). Hassan abdica do seu direito à dignidade, do seu direito à revolta, e do seu direito à incompreensão. Ele abdica disto (tal como o seu pai biológico abdicou de ser pai de Hassan). Amir abdica de Hassan, pura e simplesmente. O amor, a proximidade ou intimidade não devem servir como justificação para descarregar n@ Outr@ as nossas frustrações, antes serve para depositar n@ Outr@ informação que, habitualmente, não transmitimos a terceiros; para partilhar e viver acontecimentos que fazem mais sentido (ou só fazem sentido) com aquele Ser Humano. Se escolhemos aquela pessoa para confiar a nossa tristeza, alegria, frustração ou receios espera-se no minímo, que aquel@ nos respeite. E sim, esperamos também que nos ame, naturalmente. Incondicional? Decididamente, só mesmo no cinema ou na literatura. Não gosto de desequilíbrios.