Abro os olhos e bocejo. Faço-o com todo o gozo que isso me dá, sem sequer me preocupar em proteger os olhares alheios da exposição das minhas amígdalas. Não que elas sejam absurdamente monstruosas ou repugnantes. Não. Nada disso. Apenas não me importo porque a antecipação do gozo apodera-se da minha cabeça e maxilares.
Que acharão eles disto? Aqui parece-me que mostrar a língua é visto como uma ofensa. Acho que li isto nalgum sítio.
Levanto-te. Demasiado cedo. Até para terra do sol-nascente. Ocupo-me a analisar as descargas do autoclismo e a tentar entender o que leva alguém a estabelecer o funcionamento destas coisas. Por motivos que desconheço (e não, não os vim a descobrir mais tarde), aqui a pia enche quase até vazar. Enche, enche e num ápice vertiginoso toda a água parece ser sugada pelo buraco que tem no fundo. Esse mesmo buraco que, numa aventura vivida entre abismos e cataratas, num outro país distante, protagonizou o fim impiedoso de um dos meus bonecos preferidos.
Aqui estou eu, sozinho, sem sono, acocorado numa casa de banho estranha, à procura do novo-mundo na pia. Brilhante.
Liberto-me do delírio quase escatológico e volto ao bocejar.
Será que consigo? Será que vou conseguir abrir os olhos e acordar?
Responsabilizo tudo e todos pelo estado a que cheguei. Não sou feliz por culpa deles, é esta a minha conclusão. Em segundos a percepção da distância físca dos meus maus espelha-se no meu sorriso: Não! Aqui eles não me podem afectar. Estou longe. Longe do certo e do errado. Longe da educação. Longe das vontades alheias. Longe da sociedade que me é um bode expiatório tão grato...
Volto a bocejar. Forço-o e, mesmo assim, sinto que começo a descobrir estes pequenos prazeres. Eu sou o culpado, não é o meu país.
Apago a luz e dirigo-me para o lobby.
1 comment:
A projecção é um fenómeno inerente ao Ser humano. É sempre mais fácil apontar o dedo ao que é externo a nós para justificar o nosso mau estar. Difícil, difícil é olhar para dentro e assumir que o que nos acontece é muito mais uma consequência dos nossos actos e das nossas opções do que dos outros - sejam lá eles quem forem.
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