Há tempos ouvi alguém defender que a erudição de um terceiro era proporcional ao tamanho da sua biblioteca, ou em última instância, ao número de livros lidos.
"é impossível perceber a realidade, analisá-la tal como é sem ler muito"
Primeiramente, achei que se referia à realidade imediata e à leitura dos periódicos. Depois, percebi que sustentava que a capacidade para analisar o presente era impossível sem o conhecimento inerente à leitura. Reflecti durante algum tempo sobre o assunto. Discordava à partida, mas parecia-me inevitável haver uma relação entre o que se lia e o que se sabia. Porém, quantidade por si só quer dizer: nada. Avancemos, e acrescentemos a variável qualidade, já de si possuidora de um alto grau de subjectividade. Imaginemos então que os livros que o terceiro leu eram de grande qualidade (seja lá o que isso for).
Ainda assim, continuava a discordar. A capacidade da leitura não confere per se (pelo menos que eu saiba) qualquer característica para entender o que se lê (eu que o diga quando leio relatórios de contas, ou certos Acórdãos do STJ). Mas admitamos que sim, que se entende e muito bem. Continuava eu a discordar. Porque, dizia-me a experiência, nem sempre ler é suficiente para dotar de ferramentas de conhecimento quem recebe as palavras. Uma coisa é a leitura outra é a interpretação que fazemos dela e outra ainda, bastante distinta, é a apropriação do seu conteúdo. Isto é, a forma como utilizamos o que lemos. Ora, a experiência da leitura é profundamente individual e, precisamente por isso, sobretudo no que à poesia e romances respeita, todas as interpretações são possíveis. O terceiro, a que o meu interlocutor aludia, era exímio nas análises que fazia não só por ter lido muito, mas sobretudo por ter sido bem sucedido na tarefa de interligar os conhecimentos provenientes das suas leituras. Mais do que isso: tornou-se capaz de utilizar o que lia e aplicá-lo no quotidiano.
A apropriação de mecanismos de análise não se reduz ao contacto com literatura afecta ao assunto. É preciso mais que isso. É necessário que o indivíduo tenha em conta mais do que o que os parágrafos lhe oferecem. É essencial que consiga (também) apropriar-se da realidade, mesmo que esta seja, a priori, ainda mais subjectiva que a própria leitura.
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