Se penso mais que um momento
Na vida que eis a passar
Sou para o meu pensamento
Um cadáver a esperar
Dentro em breve (poucos anos)
É quanto vive quem vive,
Eu, anseios e enganos,
Eu, quanto tive ou não tive,
Deixarei de ser visível
Na terra onde dá o Sol,
E, ou desfeito e insensível,
Ou ébrio de outro arrebol,
Terei perdido, suponho,
O contacto quente e humano
Com a Terra, com o sonho,
Com mês a mês e ano a ano.
Por mais que o sol doire a face
Dos dias, o espaço mudo
Lembra-nos que isso é disfarce
E que a noite é que é tudo.
Fernando Pessoa
Foto: Hubble site
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