Sunday, November 06, 2005
Siddartha
"(...) Lentamente, por entre a riqueza crescente, o próprio Siddhartha adquiriu alguns traços das pessoas vulgares, algo da sua ingenuidade e da sua ansiedade. E no entanto invejava-as, invejava-as tanto mais quanto mais se parecia com elas. Invejava a única coisa que lhe faltava e que elas tinham: a importância que atribuíam às suas vidas, a intensidade das suas alegrias e medos, a angustiada mas doce ventura de sua eterna capacidade para amar. Estas pessoas estavam sempre apaixonadas: por si mesmas, por mulheres, pelos filhos, pela honra ou pelo dinheiro, por planos ou esperanças. Mas fora isto que ele não aprendera com elas, exactamente isto, esta alegria infantil, esta loucura infantil; aprendera com elas apenas as coisas desagradáveis que ele próprio desprezava. Acontecia cada vez mais com frequência, depois de uma noite de convívio sentir-se cansado e apático.
(...)
Semelhante a um véu, a um nevoeiro fino, o cansaço caiu sobre Siddhartha, devagar, cada dia um pouco mais espesso, cada mês um pouco mais opaco, cada ano um pouco mais pesado. (...) secretamente, mostrando aqui e além a sua negra face, a desilusão e a náusea esperavam-no. Siddartha não o notava.
Notava apenas que a voz clara e segura do seu íntimo, que em tempos estivera bem desperta e no seu período dourado o conduziu, se tornara inaudível.
O mundo tinha-o apanhado, o prazer, a ambição, a indolência e, por fim, também o defeito que ele, por imprudência, sempre mais desprezara e
escarnecera: a cobiça".
Siddhartha, Hermann Hesse
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1 comment:
Sempre actual.
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