Friday, November 25, 2005

"Não nos é possível ainda, falar de amor..."

E não resisto a transcrever um texto belíssimo retirado do Novas Cartas Portuguesas: “... porque se mulher e homem se quiserem sós e nos seus sexos, (...)logo isso é sabido como ataque à sociedade que se junta para dominar, e Abelardo é castrado, e Tristão nunca se junta a Isolda, e todos os mitos do amor dão-no como impedido e irrealizado, e todas as histórias de amor são histórias de suicidas; porque temos de remontar o curso da dominação, desmontar as suas circunstâncias históricas, para destruir suas raízes. (...)Mas a esta leitura é necessário acrescentar todos os sistemas de cristalizações culturais que vieram sustentando, reforçando, justificando e ampliando essa dominação da mulher (e não só essa dominação), porque a alteração da situação económica e política que agora nela se baseia não traz necessariamente a destruição de todas as cristalizações culturais em que a mulher é (...), homem castrado, a carne, a pecadora, Eva da serpente, corpo sem alma, virgem-mãe, bruxa, mãe abnegada, vampiro do homem, fada do lar, ser humano estúpido e muito envergonhado pelo sexo, cabra e anjo, etc., etc. E digo é, tudo isto no presente, porque contra estas imagens nunca houve combate de raiz, apenas se foram pondo em causa as consequências lógicas e práticas de algumas delas, na medida em que já não convêm (...). Voltando à enumeração dispersa dos rostos cristalizados da mulher; só quando os soubermos alinhar segundo eixos, vectores, poderemos ver a extensão e profundidade do que nos tolhe a todos, mulheres e homens. Pegando, por exemplo, numa linha: corpo de mulher, (...), medo do corpo, medo de castração nele, (...), intuição feminina (...), eterno feminino, magia, bruxa, demoníaca, possessa, vampe (...), corpo que se possui, terra do homem, carne da sua carne, costela de Adão, (...), mulher poder de tentação e de pacto com a desordem, poder e escândalo, sentimento de culpa do homem, sua crítica marginal, sua imagem negativa (...). Em toda esta linha que eu mal puxei, se ensopam e mitificam nossas políticas, nossas éticas, nossos amores a dois. (...) Chegará tempo de amor, em que dois se amem sem que uso ou utilidade mútua se vejam e procurem, mas apenas prazer, prazer só, no dar e no receber?”
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa

5 comments:

Anonymous said...

Belo excerto; sábia selecção!

samari said...

Tmbém ando com esse livro em mãos :-)

Bayushiseni said...

Somos intrinsecamente biológicos, querida WOAB.

Homens e mulheres. E tiraram-nos isso.

Num medo milenar da nossa bestialidade a cheirar a hormonas fingimos que não somos. Que somos filhos de um deus que nos quer mentais. Trampa.

Fugimos de deus quando assim nos portamos.

Somos caçadores recolectores que andam de telemóvel na mão e esquecemos isso. Os cheiros. O catar. A tribo.

Depois emerdamos tudo com os deuses e os princípios fundamentais para dividir a terra, os ricosa dos pobres e as posses.

A mulher foi posse durante muito tempo. Perdemos coisas com isso.

É-nos uma segunda natureza que custa a arrancar.

As mulheres mantêm mais a Igreja que os homens. na verdade a igreja já as protegeu. E também as queimou.

O prazer foi associado à culpa. Não se encontrará apenas o prazer enquanto não for desenterrada a culpa, expurgada e queimada.

É pena. Vai ser difícil.

Woman Once a Bird said...

Sinceramente, profundamente fã da sua escrita.

Dirim said...

provavelmente Talisca: sábias palavras as tuas. belo texto.